Erros indicam que cristal da Rússia que revela óvnis é campanha de marketing
Demorou cerca de quatro semanas para a história do cristal achado na Rússia, que supostamente permite ver óvnis, incendiar a Internet. Mas uma hora aconteceu, provavelmente como planejaram os idealizadores. O principal vídeo do canal no Youtube que iniciou a divulgação já alcançou mais de 124 mil visualizações, no momento em que este texto está sendo publicado.
O canal em si, denominado suspeita e emblematicamente de Space ru, ultrapassou a marca de 10 mil seguidores. São números excelentes para um canal que começou há pouco mais do que trinta dias.
A história tem todos os ingredientes do sucesso. No primeiro vídeo o autor que supostamente vive em Kemerovo, na Rússia, diz que estava num passeio de pesca quando ouviu o barulho de um foguete ou algo similar. A seguir, houve uma explosão seguida de um clarão no céu e algo caiu a um quilômetro de distância de onde estava.
Era noite e ele resolveu ir ao local com sua lanterna. Chegando lá, viu homens fardados – segundo ele militares – e um helicóptero, que teria perseguido o objeto. Mesmo assim, de alguma forma teria conseguido sair de uma suposta cena de acidente com UFO cheia de militares levando os dois fragmentos de cristal.
A explicação do primeiro vídeo passa a maior parte do tempo centrada nas características supostamente “impressionantes” do “cristal”… Quente sem motivo aparente, “diferente de vidro”, segundo o autor. Sem pontas ou quinas afiadas, e com uma espécie de holograma que lembraria um agroglifo ou círculo na plantação.
Os óvnis se revelam: “Eles vivem”!
Já no segundo vídeo descobrimos a “real” utilidade do cristal supostamente alienígena: andando pelas ruas da sua cidade na Rússia, o autor revela que o tal cristal teria a capacidade de mostrar óvnis que estariam nos monitorando mas são invisíveis ao olho humano ao qualquer equipamento na Terra.
Em outros vídeos, geralmente com intervalo de uma semana entre uma postagem e outra, o autor faz mais “testes” sem nenhum sentido prático com o tal cristal: coloca na água… Por alguma razão usa faíscas de um isqueiro elétrico e outros “experimentos” bizarros e sem objetivo claro. Além, óbvio, de filmar mais supostos óvnis que estariam escondidos bem debaixo dos nossos olhos.
Se você suspeita que já viu essa história antes, não é um Déjà vu. O enredo é idêntico ao do filme de ficção científica e suspense “Eles Vivem” (“They Live”, no original) de 1988, escrito e dirigido por John Carpenter. A diferença é que, no filme, além de naves no céu, óculos de sol especiais denunciavam a presença de alienígenas infiltrados entre humanos e suas mensagens subliminares. As mensagens estavam em todos os materiais publicitários e transmissões eletrônicas de forma a influenciar os terrestres. Uma bela crítica à sociedade de consumo…
Campanha de marketing e entretenimento
Aparentemente o tal cristal não se diferencia em nada de um pedaço de acrílico (que alguns conhecem por plexiglas, ou polimetacrilato de metila) de boa qualidade. Com cerca de 8 ou 9 milímetros de espessura, é bastante transparente e resistente (como geralmente os são os plexiglas de blindagem e proteção). Mas obviamente o material recebeu tratamento de corte e gravação a laser, um processo industrial bastante simples que pode ser feito por encomenda.
Os vídeos começaram a circular e ganharam análises superficiais em outros canais no Youtube e sites em diversas línguas.
Houve quem defendesse que o material não poderia ser plexiglas, ou vidro de qualquer espécie, por causa da elevada transparência. Análises fizeram todo tipo de conjecturas acerca dos formatos dos objetos, ora discoidal, ora esferas. Mas pouca gente notou que, em todos os vídeos, foi adicionado um alerta do autor:
Всё видео на данном канале Space ru носит исключительно развлекательный характер!
“Todos os vídeos neste canal Space ru são apenas para fins de entretenimento!”
Além disso, a maioria das análises das imagens do cristal da Rússia revelando óvnis invisíveis passou longe do básico na observação de um vídeo: a verificação quadro a quadro. Isso é fundamental porque não importa a qualidade da produção digital, pequenos problemas podem acabar passando na manipulação dos frames de um vídeo. E eles são um tipo de defeito que é muito difícil de ser notado em velocidade normal, até mesmo pelo autor da montagem.
Neste caso, não foi muito diferente. Já na primeira sequência de observação do óvni, usando a velocidade reduzida do próprio Youtube, é possível perceber um desses erros. Praticamente por não mais que dois ou três frames de diferença, o objeto desaparece depois que o plexiglas já saiu da frente da câmera, e não ao mesmo tempo que ele.
O erro não volta a se repetir nas próximas sequências, nem nos vídeos seguintes. Mas eventualmente, outro defeito ainda mais sutil pode ser ser visto em uma nova cena, como uma espécie de “afinamento” da borda do cristal que revela naves alienígenas: típico sinal de edição de imagem.
De fato, a qualidade em si dos vídeos é bastante acima da média para as produções falsas no Youtube. O nível de planejamento para a história – e a técnica de storytelling – com a qual foi construída a narrativa, indica que muito provavelmente se trata de uma estratégia de marketing para lançamento de um produto maior. E a dica final dada pelo próprio autor não deveria deixar dúvidas: os vídeos “são apenas para fins de entretenimento”.
Ainda não foi desta vez!
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Na descrição do próprio canal ele diz que o vídeo é pra entretenimento, que é FAKE!!!