Euzébio escreveu:Anonymous escreveu:Prezado Sr.,
Onde encontra o sr. tamanhos despropósitos?
Estas informações não são despropositadas.... Elas fazem parte da História de nosso país-continente, e merecem ser divulgadas. Talvez não sejam escritas fenícias, mas certamente não são de língua moderna alguma. No entanto, se um especialista em línguas mortas diz que é fenício, quem sou eu ou quem és tu para redargüir em contrário?
Consulte:
http://www.valholl.hpg.ig.com.br/arqueo ... rtigo3.htm
A inscrição da Gávea (1839)
No momento em que completava um ano de existência, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro realizou uma expedição para reproduzir e estudar as denominadas "inscrições da Pedra da Gávea". Desde o período colonial existiam rumores sobre essas estranhas formações no Rio de Janeiro. A dita expedição não conseguiu chegar a uma solução, o que não impediu as inscrições se tornarem mundialmente célebres. Enquanto Roch Schuch (1839) interpretou os sinais como runas vikings, Emile Adêt (1845) e La Hure (1865) defendiam a tese fenícia. Já em 1930, o amazonense Bernardo Ramos realizou a célebre tradução: "Tyro, Fenícia, Badezir primogênito de Jethbaal", popularizando a teoria de que os fenícios estiveram em nosso país antes dos portugueses, uma imagem que seria celebrada duas vezes no cinema nacional, além de constar em inúmeros romances, quadrinhos e revistas. Em 1975, o pesquisador francês Jacques de Mahieu voltou a interpretar esses sinais como obra dos navegantes escandinavos. Recentemente uma equipe multidisciplinar composta por geólogos, arqueólogos e historiadores comprovou definitivamente que as inscrições são formações naturais (Camara, 2000).
A inscrição fenícia da Paraíba (1871)
Em 1871, o IHGB recebeu uma carta vinda de uma localidade chamada Paraíba (existem várias regiões, cidades e rios com esse nome no Brasil). A mesma descrevia o encontro de uma grande laje na fazenda de Joaquim Alves da Costa, onde existiriam letras misteriosas, que foram copiadas pelo filho do fazendeiro e enviadas à capital. O então diretor do Museu Nacional (RJ), o arqueólogo Ladislau Neto, enviou aos jornais uma tradução dessas letras, que descreveriam uma expedição saída da cidade de Sidon (na Fenícia), durante o reinado de Hiram I, que se perdeu e veio parar no Brasil. A notícia correu o mundo, sendo noticiada por diversos periódicos e por grandes autoridades. Em 1874 os epigrafistas S. Euting e Schlottmann demonstraram que a inscrição era uma fraude. O próprio Ladislau Neto admitiu o seu equívoco no ano de 1885, em uma carta enviada à maior autoridade em feniciologia do século XIX, o francês Ernest Renan (Neto, 1885). Os membros do IHGB e do Museu Nacional tentaram localizar a fazenda onde havia sido realizada a descoberta, mas foi constatado que Joaquim Costa e sua fazenda não existiam. Foi um embuste realizado com a intenção de desmoralizar a academia imperial ou ao contrário, glorificar algum de seus membros. Nesta última hipótese, a maioria dos pesquisadores sempre considerou que Ladislau Neto teria feito a fraude. Mas segundo nossos estudos, a inscrição da Paraíba possivelmente foi executada pelo arqueólogo e epigrafista francês Conde de La Hure. Uma vingança pela falta de incentivo financeiro do IHGB às suas pesquisas na pré-história de Santa Catarina (Langer, 2000, p. 80-90).
A pedra de Diamantina (1970)
Na cidade de Diamantina (Minas Gerais), o sr. Jair Emídio Ferreira mudava o assoalho de sua casa, quando subitamente encontrou um estranho objeto: uma pequena rocha do tamanho de um prato, com desenhos e letras esculpidas em sua face. Jornais locais e nacionais da década de 1970 noticiaram com grande alarde que este vestígio teria origem fenícia. Segundo nossas análises, a figura tenta imitar uma espécie de sacerdote fenício-semita e as letras uma mistura do alfabeto hebraico com o latim: trata-se de uma fraude muito mal realizada que não despertou maiores atenções dos acadêmicos. A pedra de Diamantina encontra-se desaparecida. Segundo notícias veiculadas na região, ela teria sido vendida por Jair Ferreira para um colecionador norte-americano.
A pedra de Gaspar (1972)
No sítio arqueológico denominado Sambaqui de Poço Grande (Gaspar, SC), propriedade de Olimpio Hanemann, foi encontrada uma rocha com traços de alfabeto semítico. No dia 28 de junho de 1972 a imprensa local noticiou a descoberta do vestígio, afirmando tratar-se de uma promissória fenícia. Segundo o professor Evaldo Pauli da UFSC, estas inscrições poderiam constituir a prova de que navegantes semitas estiveram antes de Cabral no nosso país, tese compartilhada pelo frei Simão Voigt (RJ). Após muitos anos de debates e especulações, o renomado epigrafista Frank Moore Gross (Universidade de Harward) declarou que tratava-se de uma falsificação. O autor da fraude teria modificado as letras de um conhecido documento semítico, a inscrição Baal Libanon. O paradeiro atual da pedra de Gaspar é o Museu do Homem do Sambaqui, em Florianópolis (SC).
EPÍLOGO: O SIGNIFICADO DAS FRAUDES EPIGRÁFICAS
"Dentro do que o saber histórico chama de 'mitoso', o ilusório se nutre da memória antiga, e o fictício se apropria das narrativas dos logógrafos, das investigações dos arqueólogos e das litanias dos genealogistas". Marcel Detienne, A invenção da mitologia, 1992.
As fraudes epigráficas surgidas desde meados do século XVIII, constituíram a única alternativa encontrada pelos pesquisadores de comprovarem um mito colonial - antigos europeus estiveram no Novo Mundo antes de Colombo.
Constituiu a impossibilidade de explicar a originalidade dos desaparecidos habitantes da pré-história.
A sobrevivência moderna do mito coloca-se como uma alternativa à História: tivemos também um passado glorioso, monumental e "civilizado" a exemplo das culturas andinas e meso-americanas, uma identidade muito mais atraente à imaginação do que as frias constatações da arqueologia moderna.
A fraude arqueológica, neste contexto, acabou funcionando como uma opção mais imedita aos anseios do colonialismo durante o século XIX - mesmo que originalmente não tenha sido criada para isso. Já tendo sido supostamente ocupada por povos ocidentais como os fenícios, egípcios, romanos ou hebreus - o interior dos Estados Unidos deveria ser legitimamente conquistado pelos brancos modernos. Aos indígenas nada restaria. Um caso semelhante foi o ocorrido nas ruínas de Zimbawe na África em 1871 - construídas pelos africanos, inicialmente foram consideradas fenícias por intelectuais racistas, que apoiavam a conquista colonializadora da região.
No Brasil, logo que foram divulgadas, as fraudes epigráficas serviram como provas de um passado tão almejado quanto buscado, e que sempre escapou objetivamente de nossos investigadores: o Brasil, enfim, possuiria um passado tão formoso quanto as nações mais prósperas da Europa!
No caso dos vikings e o hemisfério Norte, foi comprovada sua presença na Terra Nova (Canadá) durante a década de 1960, e em hipótese é provável que eles realmente tenham explorado o interior dos Estados Unidos. Mas entre a possibilidade e o fato há uma distância enorme. Durante o século XIX e o início do XX, alguns pesquisadores não podiam ficar esperando surgirem evidências materiais para esse passado que já estava certo em suas mentes. Recorreram então às fraudes. Nada explica melhor todos os engodos arqueológicos do que um parque montado próximo da pedra de Kensigton (Minnesota). Ao lado de uma gigantesca réplica da pedra rúnica, foi montada uma embarcação escandinava e um guerreiro viking com características estereotipadas. Uma das legendas anexadas ao local foi "Birthplace of America". Não importam os milênios da ocupação indígena, tanto nos Estados Unidos como no Brasil. A noção de identidade é fabricada por um referencial onde a herança mediterrânica é a mais interessante, porque é "civilizada", construiu monumentos importantes e realizou-se feitos memoráveis, preservados através da escrita em pedra. A sociedade atual constrói uma imagem digna de júbilo, através da recordação de seu empolgante passado fenício-escandinavo. Uma opção que não existe na "antiquada e primitiva" herança indígena das Américas.
Texto de Johnni Langer, Doutor em História pela UFPR.