Equaçao de Drake

A exobiologia é a ciência que estuda a vida extraterrestre, desde o tipo mais simples. Quais seriam os locais mais propícios para esta ocorrência? Quais os pré-requisitos?

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Latorre
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Equaçao de Drake

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A Famosa Equação de Drake
por Gerson Lodi-Ribeiro

Quase todos nós, apreciadores de ficção científica, somos também torcedores empolgados com a perspectiva da descoberta de vida fora da Terra. A existência de vida extraterrena inteligente constitui uma hipótese ainda mais empolgante para nós — a prova indiscutível da existência de uma civilização alienígena avançada corroboraria outra hipótese, esta mais dúbia, de que é possível às civilizações tecnológicas sobreviver à fase crítica que a humanidade enfrenta atualmente. Não é de se espantar, portanto, que a temática da descoberta e do contato com inteligências alienígenas seja uma das nossas prediletas.

A contrapartida, por assim dizer mais séria, dessa temática veneranda da FC é a Busca de Inteligências Extraterrestres, uma área de pesquisa caracterizada por doses maciças de especulação e mais conhecida por seu acrônimo em inglês, SETI.

Uma questão fundamental se destaca nas miríades de linhas de pesquisa desenvolvidas nessa área: "Quantas civilizações técnicas existem em nossa galáxia?"

Para tentar estimar o número de civilizações técnicas na Via Láctea que seriam capazes e estariam dispostas a se comunicar com a humanidade numa determinada época (N), o radioastrônomo americano Frank Drake criou em 1961 uma equação que foi em pouco tempo consagrada com o seu nome. Em sua formulação mais recente e simplificada, a equação de Drake é assim:

N = R­ fp Ne fl fi fc L (1)

onde:

R­ — número de novas estrelas que surgem na Via Láctea por ano;

fp — fração das estrelas da Via Láctea que possuem sistemas planetários;

Ne — número médio de planetas capazes de abrigar vida por sistema planetário;

fl — fração dos planetas capazes de abrigar vida em que a vida de fato se desenvolve;

fi — fração dos planetas que abrigam vida onde existem espécies inteligentes;

fc — fração dos planetas com espécies inteligentes onde há uma civilização tecnológica capaz e disposta a estabelecer comunicação interestelar;

L — duração média de uma civilização tecnológica capaz de estabelecer comunicação.

Uma especulação teórica elegante, não é? De fato, uma estrutura matemática que impõe respeito, até pela gravidade de seus parâmetros constituintes. Mas, aqui entre nós, e espero que vocês não saiam espalhando por aí, essa beleza aí em cima não passa de um imenso exercício de chutometria aplicada. No fundo, é apenas uma forma sofisticada de afirmar a nossa ignorância. Pois, como equação, não consegue estimar minimamente a quantidade de civilizações alienígenas existentes em nossa galáxia.

O grande problema da equação de Drake é que não conseguimos estimar sequer alguns de seus parâmetros constituintes; muito menos o número mágico N.

Senão, vejamos:

No que diz respeito ao número de estrelas que surgem anualmente na Via Láctea, R­, não há muita incerteza. Sabemos que a taxa de nascimento de estrelas foi muito maior há bilhões de anos do que hoje em dia. Assim, devemos pensar numa taxa média. Os melhores prognósticos atuais estimam o número de estrelas que nascem na Via Láctea entre 1 e 10 estrelas/ano. Proponho que assumamos o valor médio de R­ = 5.

A fração de estrelas da Via Láctea que possuem sistemas planetários, fp, também não chega a constituir um grande mistério. Embora algumas teorias de formação planetária arcanas insistissem em afirmar que a maioria das estrelas não se faria acompanhar por um séquito de planetas, observações recentes e novas teorias (que não excluem sequer a possibilidade da existência de planetas em sistemas estelares múltiplos) parecem indicar que a existência de planetas girando em torno de outras estrelas é antes a regra do que a exceção. Então, podemos estimar fp como algo entre 0,5 e 0,8. Vamos tomar o valor médio de fp = 0,65.

As coisas começam a se tornar mais nebulosas (sem trocadilhos com as velhas teorias de formação planetária…) com o próximo parâmetro, Ne, o número médio de planetas capazes de abrigar vida por sistema planetário. Tempos atrás, imaginou-se que nosso Sistema Solar fosse típico: há aqui pelo menos um planeta capaz de abrigar vida. Haveria sistemas estelares com dois ou mais planetas capazes de abrigar vida e outros desprovidos de mundos desse tipo. Contudo, estudos recentes indicam que as perspectivas não seriam assim tão boas.

Para que a vida surja e prospere numa biosfera qualquer é necessário pressupor várias classes de estabilidade ao longo de bilhões de anos. Em primeiro lugar, a estabilidade do primário: a estrela em torno da qual o planeta orbita deve se manter estável por vários bilhões de anos. Em segundo lugar, essa órbita deve ser estável e quase circular — se tal não ocorrer, o planeta nem sempre se manterá no interior da ecosfera, zona do sistema estelar onde as formas biológicas podem surgir, sobreviver e evoluir. E em terceiro lugar, a superfície planetária em questão deve ser, ela própria, geologicamente estável; convém lembrar aqui que durante os primeiros 800 milhões de anos da história da Terra, nosso planeta não ofereceu essa superfície geologicamente estável e, portanto, a vida não surgiu. Por isso, embora a estimativa inicial de Drake e Sagan (dois otimistas de carteirinha!) propusesse Ne ~ 1, prognósticos mais recentes e que soam,ao menos por enquanto, mais realistas, estimam Ne ~ 0,1.

Já a fração dos planetas capazes de abrigar vida em que as formas biológicas realmente se desenvolvem, fl , parece mais fácil de estimar. A história da vida na Terra indica que as primeiras formas biológicas surgiram tão logo a superfície planetária ofereceu as classes de estabilidade citadas no item anterior; falando aqui em termos geológicos, ou seja, alguns milhões de anos depois. Como não há nenhuma razão para pensar que nosso planeta seja um caso especial, tudo nos leva a crer que, dadas as condições favoráveis necessárias, a vida surgirá em qualquer superfície planetária. Em termos matemáticos, isto equivale a propor fl = 1.

Um dos parâmetros de estimativa mais problemática na equação de Drake é a fi , a fração dos planetas que abrigam vida em que existem espécies inteligentes. A questão fulcral levantada por esse parâmetro é se o advento da inteligência é ou não uma conseqüência natural da existência continuada de formas biológicas sobre uma superfície planetária. A história da vida na Terra mostra que as primeiras formas unicelulares surgiram há aproximadamente 3,8 bilhões de anos, ao passo que as primeiras formas multicelulares que se tem notícia só teriam aparecido há coisa de 600 milhões de anos. Ora, isto quer dizer que durante cerca de 85% de sua existência, a vida terrestre foi de caráter estritamente unicelular, o que parece indicar que o salto dos organismos unicelulares, algas microscópicas e bactérias, para os multicelulares, animais, vegetais e cogumelos, parece constituir um passo mais difícil do que a própria transição da matéria bruta para o primeiro ser vivo. Quem sabe, não existem pela galáxia afora centenas de planetas cujos oceanos primordiais pululam de formas de vida alienígenas, todas de nível unicelular, sem nenhuma criatura viva que possamos enxergar a olho nu?

Por outro lado, mesmo que admitamos o aparecimento dos animais e vegetais superiores como regra geral, não há lei natural alguma que implique daí a evolução até as formas racionais. Tomando novamente a história da vida na Terra como único exemplo disponível, constatamos que, ao que saibamos, não apareceram seres racionais por aqui durante mais de 99% do intervalo que se estende do advento das primeiras criaturas multicelulares até o presente. Os argumentos acima parecem indicar que, embora o surgimento da vida seja, por assim dizer, inevitável (dadas as condições adequadas), não podemos em absoluto dizer o mesmo quanto ao advento da inteligência.

Portanto, embora as estimativas iniciais apostassem numa fi ~ 1, um valor variando entre 0,01 e 0,10 soa mais sensato à luz dos conhecimentos e especulações mais recentes desse campo de pesquisa.

A fração dos planetas com espécies inteligentes onde existe uma civilização tecnológica capaz e disposta a estabelecer contato com outras espécies, fc , é um parâmetro de estimativa ainda mais difícil do que o anterior. Num certo sentido, a humanidade deu o primeiro passo para erigir uma civilização tecnológica quando os australopitecos começaram a fabricar ferramentas. Mas, é claro, é preciso um pouco mais do que artefatos paleolíticos para estabelecer contato com habitantes de outros sistemas estelares. Se definirmos civilização tecnológica como aquela que é capaz de entrar em contato com suas congêneres alienígenas, estabelecer contato, ou ao menos se fazer notar por elas, então a humanidade só se tornou uma civilização tecnológica há 70 anos, com a invenção do radiotelescópio.

Será que todas as espécies inteligentes de fabricantes de ferramentas acabam depois de algum tempo constituindo necessariamente civilizações tecnológicas, entendidas como tais pela definição acima? Não sabemos. Na Terra, todas as culturas humanas fabricaram ferramentas, mas só as sociedades oriundas da Europa Ocidental deram à luz ao método científico que proporcionou a revolução industrial e nos transformou em última análise numa civilização tecnológica.

Seria o caminho do progresso técnico tão inevitável assim?

Se os árabes, os maoris ou os astecas constituíssem a cultura mais avançada da Terra, a humanidade teria se tornado uma civilização tecnológica? Até o século XV, os chineses constituíam a cultura mais sofisticada do planeta, mas não pareciam nem um pouco propensos a dar os passos para conquistar os avanços científicos necessários para nos transformar numa civilização tecnológica.

Assim, mesmo pela análise superficial dos exemplos das diversas culturas humanas, constatamos que o dogma da inevitabilidade do progresso não se sustenta. O que se dirá então de outras espécies, com histórias, psicologias e motivações inteiramente alienígenas? Como estimar o parâmetro fc ? Ele pode assumir qualquer valor que lhe desejemos atribuir entre 0 e 1, dependendo apenas do nosso "coeficiente de otimismo instantâneo", e este varia conforme o nosso humor… Digamos, então, que fc gira em torno de 0,1.

Finalmente, resta-nos o último parâmetro e o mais problemático, L, a duração média de uma civilização tecnológica capaz de estabelecer comunicação.

Antes de analisar o parâmetro L, convém resumir aquilo que concluímos até aqui:

Substituindo os valores médios das estimativas de R­ , fp , Ne , fl , fi e fc na equação de Drake na forma (1), temos que:

N = (5 x 0,65 x 0,1 x 1 x 0,05 x 0,1).L

Ou seja:

N = 0,001625.L (2)

Como vemos, o número de civilizações tecnológicas existentes na Via Láctea depende antes de mais nada da duração média da existência dessas civilizações. Por quanto tempo uma civilização tecnológica pode existir como tal sem se autodestruir (hipótese pessimista) ou transcender para um estágio pós-tecnológico (hipótese otimista "new age")? Não sabemos.

Antes do fim da Guerra Fria, inspirados pelo exemplo da humanidade, muitos especialistas argumentavam que L deveria ser estimado numa escala de décadas. Eles afirmavam que L < 100, o que, traduzindo da linguagem matemática para o português, significava que as civilizações tecnológicas não sobreviveriam ao seu primeiro século, desde a invenção do radiotelescópio até sua autodestruição… Isto queria dizer que se a humanidade lograsse êxito em sobreviver e chegasse algum dia a explorar outros sistemas estelares, muito provavelmente só encontraria ruínas de antigas civilizações alienígenas já extintas há muito.

Se imaginarmos que L = 100, então N = 0,1 , o que equivale a dizer que só há em média uma civilização tecnológica para cada dez galáxias do porte da Via Láctea. Admitindo que as civilizações desse tipo sobrevivam um pouco mais, digamos durante um milênio (L= 1.000), temos aproximadamente N = 1, significando que estamos sozinhos na Via Láctea… Adeus cenários de contatos com espécies alienígenas!

Contudo, essa estimativa talvez seja por demais pessimista. Afinal, vez por outra, deve surgir uma espécie madura e sensata a ponto de evitar a autodestruição. Não que nós sejamos estes "felizardos", mas parece plausível imaginar que o período mais crítico seja exatamente este que a humanidade está vivendo.

Se, após constituir uma cultura tecnológica, uma espécie inteligente consegue sobreviver ao período crítico definido pelo intervalo 0 < L < 200, é bem provável que ela tenha amadurecido a ponto de não correr mais riscos de se autodestruir. Além disso, teria atingido um desenvolvimento técnico capaz de evitar a extinção acarretada por agentes naturais — como, por exemplo, o vulcanismo em escala planetária; uma glaciação severa ou o impacto direto de um meteorito gigante. Portanto, faz sentido pensar que, se uma civilização tecnológica superar o limite L = 200, ela deve sobreviver por um período muito mais longo, comparável ou mesmo superior ao período de permanência do seu primário na seqüência principal, coisa da ordem de L = 109 anos.

Se imaginarmos que apenas uma de cada dez civilizações tecnológicas sobreviva ao teste crítico de maturidade que a humanidade ora enfrenta e que, somente para estas, L ~ 106, ou seja, que essas espécies perdurem como civilizações sofisticadas por cerca de um milhão de anos, então, nós teríamos um parâmetro L global médio com o valor de 105. Levando o valor deste parâmetro para (2), obteríamos N ~ 160. Ou seja, haveria hoje cerca de 160 civilizações tecnológicas na Via Láctea. Mesmo considerando essas quase duas centenas de espécies alienígenas, nossa galáxia é grande o suficiente — 30 mil anos-luz de diâmetro e 400 bilhões de estrelas! — para justificar o fato de ainda não termos prova inequívoca da existência de inteligência extraterrestre.

Para concluir, devo tornar claro que assumi na análise acima uma postura que costumo chamar de "pessimista realista". Há dezenas de estudiosos de SETI extremamente qualificados que assumem posturas muito mais otimistas, chegando a estimativas da ordem de N = 1.000.000, ou superiores. Segundo eles, existiriam pelo menos um milhão de civilizações técnicas dispostas a entabular conversação cósmica conosco, somente na Via Láctea!

Esta discrepância entre o pior e o melhor caso é um indicador excelente do grau de nossa ignorância xenológica; uma boa medida do quanto ainda resta a aprender sobre o universo e a evolução da vida em geral e o desenvolvimento e sobrevivência da inteligência em particular.

De qualquer modo, em suas quase quatro décadas de existência, a equação de Drake teve o grande mérito de desenvolver tremendamente nossa capacidade de especular de forma inteligente sobre a possibilidade real de existirem civilizações alienígenas. Como ferramenta matemática, embora imprecisa pela própria carência de dados estatísticos confiáveis (afinal, por enquanto só conhecemos uma espécie racional…), a equação de Drake vem cumprindo o objetivo de auxiliar os estudiosos de SETI a compreender a complexidade da questão xenológica e os diferentes aspectos envolvidos no surgimento e desenvolvimento da inteligência alienígena… e humana.

Bibliografia:

Brin, David: "Mistery of the Great Silence" in Bova, Ben & Byron Preiss [editores]: First Contact — The Search for Extraterrestrial Intelligence, NAL Books (1990, 2nd Edition). Revisão abrangente dos principais argumentos e teorias prós e contrários à existência de civilizações tecnológicas alienígenas. Escrito por um astrofísico e autor de FC que meditou bastante sobre SETI, tanto em termos científicos quanto ficcionais. Esse ensaio é uma fusão e expansão de dois outros, "Xenology: The New Science of Asking Who’s Out There" e "How Dangerous is the Galaxy?", publicados na Analog respectivamente em 1983 e 1985. Ao final do artigo, o autor propõe novos três novos parâmetros para a equação de Drake.

Drake, Frank: "The Drake Equation: A Reappraisal" in ibidem. Uma reavaliação curta mas interessante da importância da equação de Drake para o desenvolvimento da pesquisa SETI levada avante por seu criador.

Lodi-Ribeiro, Gerson & Ronaldo Fernandes: "A Questão de Fermi" in Isaac Asimov Magazine de Ficção Científica, Nº 9, Record (1990). Alguns insights sobre SETI em português.

Shklovskii, Iosef S. & Carl Sagan: Intelligent Life in the Universe, Delta Books (1966). Um clássico autêntico sobre o assunto que resistiu maravilhosamente bem à prova do tempo. De interesse particular para o assunto abordado neste ensaio é o capítulo 29: "Distribution of Technical Civilizations in the Galaxy".

Fonte
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Britan
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Mensagem por Britan »

ao fim ao cabo a equação é como se fosse um manual técnico na procura de vida noutros planetas, o que ela faz é criar uma série de parametros pesquisaveis cujas variaveis sao dados estatisticos, isso serve como farol na investigação, será ?
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Latorre
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Mensagem por Latorre »

Bem... são parâmetros investigáveis.
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